Entenda por que o preço do boi gordo subiu 24% em pouco mais de um mês

Falta de chuvas afetou oferta de pastagem para o gado em momento de forte consumo doméstico e de alta nas exportações.

Em meio a uma das maiores secas da história e com uma demanda firme por carne bovina tanto no mercado interno quanto no mercado externo, os preços do boi gordo reagiram com força em setembro, revertendo as perdas registradas no primeiro semestre. Naquele período, o abate recorde no país, 21% maior que no ano anterior, derrubou o valor da arroba do boi para a casa dos R$ 215.

No último mês, o indicador para a arroba calculado pelo Cepea acumulou alta de 14,4%, fechando em R$ 274,35. Só em outubro, o indicador já teve alta de 7,24%. Levantamentos privados também apontam na mesma direção. Segundo o indicador da Scot Consultoria, a arroba a prazo encerrou setembro negociada, em média, a R$ 277 em Barretos e Araçatuba, duas das principais praças pecuárias de São Paulo, alta de 13,45% em 30 dias.

Na Safras & Mercado, o analista Fernando Iglesias já tem observado negociações na casa dos R$ 300 a arroba atualmente. Segundo ele, a valorização recente é reflexo da forte seca que atingiu o país este ano, reduzindo a disponibilidade de pastagens e elevando o custo de produção.

“O desgaste das pastagens provocou um auge de safra muito definido no início deste ano. Depois disso, a oferta de animais terminados a pasto rareou no mercado”, afirma o analista. A previsão da Safras & Mercado é que, diante da atual condição das pastagens — há regiões de produção há mais de 100 dias sem chuva, a oferta de animais criados em sistema extensivo só se recupere a partir de 2025.

Até lá, o mercado deve ser abastecido por animais terminados em confinamento — sistema de engorda que tem custo mais alto que o extensivo a pasto e que também tem ficado mais caro. Segundo o Índice de Custo Alimentar Ponta (ICAP) elaborado pela consultoria Ponta Agro, o custo de confinamento na região Sudeste registrou alta de 6,94% em setembro, reflexo da falta de chuvas .

“Esse aumento no Sudeste reflete o término dos efeitos favoráveis da safra e da renovação dos estoques de insumos, sendo agora o custo das dietas influenciado por uma demanda crescente por insumos devido a condições climáticas desfavoráveis, queimadas e migração dos animais para o cocho”, detalha a consultoria em nota.

Em Mato Grosso, Estado com o maior rebanho do país, o Instituto de Economia Agropecuária do Estado (Imea) destacou em boletim que os animais machos terminados em confinamento foram a principal origem dos abates no período. Ao todo, 647,04 mil cabeças foram abatidas em Mato Grosso em setembro, segundo o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea).

O número é 2,99% inferior ao de agosto, mas também o terceiro melhor resultado da série histórica. A participação de fêmeas também caiu no período, atingindo o menor patamar do ano, com 37,22% do total de gado abatido. O movimento indica o início do processo de retenção de fêmeas por parte dos produtores e uma potencial virada do ciclo pecuário a partir do próximo ano.

“Na virada deste ano, provavelmente vamos ver virada de ciclo porque o preço do bezerro já parou de cair e o próximo passo é uma alta mais contundente das categorias de animais mais jovens, que vai levar a uma maior retenção de fêmeas”, avalia Iglesias, da Safras.

Com o animal vivo mais caro, o valor da carcaça casada também registrou alta no atacado paulista em setembro, segundo o Cepea. A valorização foi de 15,2% para a carcaça casada de vaca/novilha, cotadas a R$ 17,73 o quilo no último dia 30, e de 12,2% para o boi casado, cotado a R$ 18,70 o quilo.

“Isso vai ser repassado ao consumidor final”, avalia Iglesias. Segundo o indicador IPCA-15, calculado pelo IBGE, cortes bovinos como patinho, peito e lagarto redondo já registraram alta de 3,47%, 3,6% e de 4,36% em setembro, respectivamente. A picanha, por sua vez, ficou 3,42% mais barata na média nacional no último mês.

Consumo

Apesar do preço mais salgado, a perspectiva para o consumo é positiva. A projeção da consultoria Athenagro é de um recorde de 34,6 quilos por habitante em 2024 quando considerado apenas o mercado formal — 5,3 quilos a mais do que o registrado em 2023.

“De janeiro a agosto tivemos uma produção 22% acima do registrado no mesmo período do ano passado, carne suficiente para atender a exportação e ainda gerar uma disponibilidade de 1,5 milhão de toneladas de carne no mercado interno”, destaca o diretor da consultoria, Maurício Nogueira.

De acordo com ele, o aumento na produção este ano é reflexo da alta demanda externa a partir de 2019, o que estimulou o pecuarista a investir na produção.

Entre janeiro e setembro, o Brasil exportou 2,1 milhões de toneladas, 28,3% mais que no mesmo período de 2023, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

Na avaliação de Nogueira, o cenário macroeconômico no Brasil “garante a precificação da cadeia. Ao reduzir desemprego, melhorar salário médio, também melhora o perfil de consumo das famílias e dá vazão a essa carne”.

Segundo ele, a tendência a partir do próximo ano é de produção em leve queda com preços ainda em alta, acompanhando uma provável inversão do ciclo pecuário.

“É um cenário favorável, mas para o consumidor é um horizonte de aumento de preços típico do ciclo pecuário. A vantagem é que isso estimula a produção e mantém o aumento da disponibilidade de carne bovina tanto para exportação quanto para o mercado interno”, completa Nogueira.

Matéria originalmente publicada em Globo Rural.

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