Após décadas de investimento em tecnologias e qualidade, o Brasil tornou-se o maior país exportador de carne bovina nos últimos cinco anos consecutivos e, se as projeções se confirmarem, o recorde se repetirá em 2022. Dados da Abrafigo (2021) mostram que 1.867.594 toneladas de produtos (in natura e processados) foram enviados para fora do território nacional, gerando um faturamento de cerca de R$ 52,6 bilhões (US$ 9,236 bilhões).
Chegar a estes números exigiu um longo processo de amadurecimento dos pecuaristas, especialmente dentro da porteira, com melhores práticas e uso de tecnologias na genética, na nutrição, no manejo e na gestão. São avanços impulsionados por diversos agentes da cadeia, desde a pesquisa até o abate. Para se ter uma ideia do impacto deste amadurecimento tanto no uso de técnicas quanto de tecnologia, podemos analisar a evolução da produtividade registrada nos últimos 41 anos, quando saímos de 3,28 milhões/ton, em 1980, para 9,5 milhões/ton, em 2021, segundo o USDA. Neste mesmo período, os Estados Unidos saíram de 9,99 milhões/ton para 12,73 milhões/ton. Em comparação, enquanto o Brasil cresceu 289%, os EUA registraram um aumento de 27% e, hoje, a diferença entre os dois maiores produtores do mundo é de apenas 34%. O caminho mais curto para “tirarmos essa vantagem” é imprimir mais velocidade na evolução da produtividade por meio da conexão entre todos os segmentos da cadeia e o compartilhamento de conhecimento entre cada atividade. Em linhas gerais, a pecuária vem evoluindo separadamente no melhoramento genético, na nutrição, na gestão da fazenda e na precisão do monitoramento animal e de seu comportamento. A próxima fronteira será integrar os elos da cadeia, acelerando a adoção de novas técnicas e tecnologias de ponta a ponta.
De acordo com Vicensotti (2019), só foi possível alcançar os patamares dos dias atuais em razão do forte investimento em busca de novas tecnologias em nutrição, pastagem, manejo sanitário e genética. Trata-se de um elaborado processo de desenvolvimento que transformou fazendas em empresas rurais, preocupadas não só em melhorar a rentabilidade da atividade, mas também a qualidade do produto brasileiro e, consequentemente, sua competitividade e abrangência de mercado.
Tecnologia é palavra-chave em todo o processo. Neste artigo, a ideia será compreender, especificamente, como as tecnologias de gestão auxiliam no momento do abate. Atualmente, o abate de bovinos em frigoríficos acontece com a adoção de procedimentos antiestresse na condução dos animais do curral de espera à sala de abate, além de procedimentos de abate humanitário onde o animal é abatido sem sentir dor. Há procedimentos para evitar contaminações durante as operações e um rigoroso monitoramento de risco com controles e mapeamento de pontos críticos. É nessa etapa que são feitas as inspeções sanitárias, com liberação de carcaças saudáveis e a correta destinação daquelas que apresentam alguma alteração higiênico-sanitária. Mas este é o elo final da cadeia. A oferta e a qualidade da carne são construídas muito antes do abate, ao longo de todo o processo produtivo do animal.
Para garantir qualidade com competitividade é preciso ficar atento a importantes etapas: 1º) Tipo de animal: seleção genética das características desejadas pelo mercado; 2º) Estoque de animais: gestão reprodutiva do rebanho; 3º) Controle dos animais: identificação e monitoramento animal; 4º) Competitividade: rastreabilidade; 5º) Produtividade: gestão de desempenho e sanidade; e 6º) Comercialização: escala de abate. Para cada um desses tópicos existem tecnologias que reduzem o risco e potencializam os resultados, visando ao alcance da sustentabilidade produtiva e econômica para que produtores se mantenham em um ciclo virtuoso de resultados.
Embora considerado um segmento inovador e sólido, a pecuária de corte apresenta uma grande diferença no nível tecnológico adotado nas propriedades representada pela baixa qualificação de grande parte dos produtores. O investimento necessário já não é mais a razão para essa diferença, visto que as tecnologias nacionais, além de adaptadas às condições da fazenda brasileira, são robustas e acessíveis, gerando um retorno de até R$ 6,00 para cada R$ 1,00 investido. O fato é que a tecnologia ganha espaço de acordo com o nível de maturidade da fazenda, e isso não tem relação direta com o porte da propriedade. Existem pequenos, médios e grandes produtores muito tecnificados. A adoção de tecnologia está diretamente relacionada à visão de mercado e ao planejamento estratégico de cada fazenda.
Atualmente, propriedades mais desenvolvidas contam com um amplo pacote tecnológico que atende a todas as atividades produtivas: brinco, coleira e chip eletrônico para identificação; programa de melhoramento genético; Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) como estratégia reprodutiva; sistemas de automatização da fábrica de ração e do fornecimento de trato; ultrassom para avaliação das características dos animais; inteligência artificial para comercialização; softwares de controle e gestão; balanças de pesagem voluntária para monitoramento do desempenho e identificação do melhor ponto de abate; cochos eletrônicos para mensuração do consumo alimentar; estações meteorológicas para medir o conforto ao animal; e uso de drones para aplicação a pasto e monitoramento do rebanho, além de integração com sistemas ERP. Algumas fazendas de alta maturidade de gestão implementam seus próprios centros experimentais, onde testam novas tecnologias e técnicas, validando como utilizar melhor seus benefícios para produtividade, bem-estar animal e rentabilidade.
A aplicação dessas ferramentas é bastante ampla e atende a toda a cadeia pecuária, de ponta a ponta. Portanto, cabe a cada produtor buscar o pacote que melhor lhe atender, de acordo com o seu objetivo. Em se tratando, especificamente, sobre o momento de abate, uma das tecnologias mais efetivas para o produtor são as balanças de pesagem voluntária, que calculam o peso diário dos animais individualmente a partir do registro de inúmeras pesagens ao longo do dia. Esses equipamentos são instalados no bebedouro do curral, tornando desnecessário o deslocamento dos animais até o curral de manejo e evitando o estresse causado por essa movimentação. Com o monitoramento do peso diário e da curva de desempenho do animal e do lote, o produtor consegue identificar com precisão o ponto de lucro máximo e tomar decisões mais assertivas sobre o melhor momento de abater. O uso dessa tecnologia gerou até 30% de aumento na margem de lucro do lote nas fazendas acompanhadas. Além de influenciar na escala de abate, a medição do desempenho diário dos animais permite identificar doenças ou enfermidades antecipadamente, a partir da desaceleração da curva de ganho ou da perda de peso. Essa identificação precoce de doenças permite que o tratamento seja ministrado o mais rápido possível, reduzindo os prejuízos por morte e por perda de desempenho.
A partir da análise realizada entre 1º de novembro de 2021 e 17 de outubro de 2022, com uma amostragem de 22.240 animais em confinamentos de diferentes localidades, podemos identificar o comportamento animal e extrair alguns insights interessantes, conforme as análises abaixo.
Gráfico 1. Distribuição do número de pesagens por animal e dia
O gráfico acima demonstra que os animais costumam visitar o bebedouro, em média, cinco vezes ao dia, geralmente entre 20 a 40 minutos após o trato. Este é um comportamento natural e previsível, por isso é importante monitorar, pois caso algum animal mude este comportamento, é possível identificar os motivos, como doença, sodomia e outros. Pelo sistema da balança de pesagem voluntária e individual é mais fácil e rápido detectar aqueles com comportamento anômalo e agir rapidamente.
No gráfico abaixo, vemos que animais vão mais ao bebedouro no período da tarde, que concentra quase 40% das visitas do dia, independentemente do tipo de dieta (adaptação, crescimento e terminação). Isso geralmente ocorre porque a maioria dos confinamentos realiza dois tratos no período vespertino, além do efeito do aumento de temperatura e radiação solar ao longo do dia.
Gráfico 2. Porcentual de pesagens em cada período do dia, por dia da semana
Na sequência, verificamos o comportamento da curva de desempenho médio de quatro animais diferentes do mesmo lote e os registros de pesagem de cada um ao longo do período em confinamento. Pela curva, podemos notar a diferença no ritmo de ganho de peso de animais com a mesma dieta e manejo. Enquanto os animais C e D tiveram mais oscilações no período de adaptação, os animais A e B têm uma curva mais ascendente e que demora mais para se estabilizar.
Esse tipo de análise permite ao produtor identificar se o animal já atingiu seu potencial máximo de desempenho e, considerando os valores de mercado da arroba, qual a melhor estratégia de comercialização: descascar o lote e abater os animais que já estão prontos para evitar mais custos de diárias, abater todo o lote para garantir a margem de lucro ou manter os animais para melhorar o acabamento. Ter a possibilidade de tomar a melhor decisão para o negócio faz grande diferença para a lucratividade da fazenda.
Figura 1. Curva de desempenho médio em kg, por dias de confinamento
Para entender como isso funciona na prática, veja o gráfico abaixo, onde são apresentados os resultados financeiros em R$/cabeça de diferentes lotes de animais confinados, em função do tempo.
Figura 2. Margem em função dos dias de confinamento, lote e grupo apartado
Na análise acima, mostramos vários lotes de um confinamento e o ponto ideal de abate de cada um deles. O período em amarelo nos gráficos representa o que foi realizado e o período cinza, representa a projeção do que aconteceria. O ponto em que as cores mudam, significa quando o animal foi abatido.
Nota-se no gráfico que cada lote apresentou um comportamento diferente. Alguns lucrando e outros perdendo rentabilidade em R$/cabeça. O cenário ideal é quando o animal estabiliza o ganho de peso e não tem previsão de ganhar mais peso, porém o produtor só consegue avaliar isso com o uso de tecnologias de monitoramento individuais. Em alguns lotes, foi necessário o abate fora do tempo ideal para completar e cumprir a escala de abate, indicando falhas no planejamento de abate e falta de alinhamento com o frigorífico.
Sabemos que nem sempre todos os cenários ideais desenhados são praticados, mas a ideia é deixar claro que em uma atividade desafiadora como a pecuária, qualquer detalhe contribui para o sucesso do negócio.
O momento do abate representa o final de um ciclo de produção longo, onde todas as etapas foram pensadas de forma estratégica. Ter o auxílio de tecnologias de monitoramento permite melhores decisões nessa importante fase do ciclo produtivo, melhorando a rentabilidade da atividade.
No relatório “Cadeia produtiva da carne bovina: contexto e desafios futuros” (2021), da Embrapa Gado de Corte, são apresentadas dez megatendências para a cadeia produtiva de carne bovina em 2040. Embora aparentemente distante, destaco algumas importantes reflexões. Entre elas, a de que frigoríficos terão de se adaptar a profundas mudanças em seu sistema produtivo e de abastecimento de matéria prima. Para atender a um consumidor que exigirá produtos mais naturais, haverá necessidade de aumento das exigências na aquisição de matéria prima provenientes dos pecuaristas. A demanda será por qualidade de carne e exigências por sistemas de manejo sustentáveis, com ampla adoção de produtos biológicos e implementação rigorosa de bem-estar animal em suas propriedades.
E não é só: a tecnologia se fará ainda mais presente. A transformação digital impactará profundamente o processo de distribuição, seja de insumos, gado ou da carne. Nas propriedades, a gestão chegará a outro patamar com muita tecnologia embarcada, o que possibilitará eliminação de gargalos da produção. O mesmo fenômeno ocorrerá nos frigoríficos, onde robôs tendem a mudar a forma de processamento, impactando nos custos, na produtividade industrial e na qualidade do produto final.
Marcelo Ribas – Médico veterinário, doutor em Zootecnia, fundador da Intergado e vice-presidente da GA+Intergado
Fontes de pesquisa:
ABRAFIGO. Exportação brasileira de carnes bovinas e derivados (2021). Disponível em: bit.ly/abrafigo2021. Acesso em: 3 de novembro de 2022.
MALAFAIA, G. C. et al. Cadeia produtiva da carne bovina: contexto e desafios futuros. Campo Grande (MS): Embrapa Gado de Corte, 2021.
VICENSOTTI, J.; SANJUAN-MONTEBELLO, A.; MARJOTTA-MAISTRO, M. Competitividade brasileira no comércio exterior da carne bovina. Revista IPecege, v.5, n. 1, p. 7-18, 2019.